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8 de fevereiro de 2015

No ar em "Alto Astral", Claudia Raia conta como é fazer uma vilã cheia de humor



Claudia Raia é uma mulher singular. A personalidade forte e o jeito expansivo contrastam com uma doçura e uma visão de carreira que poucos atores têm. A atriz não nega seus atributos, mas encara a trajetória de forma modesta e tranquila, mesmo ciente de sua autonomia e prestígio dentro da Globo. No ano em que completa 30 anos de história na emissora, a atriz dá vida à excêntrica Samantha, de "Alto Astral". Convidada por Silvio de Abreu, com quem já trabalhou em tramas como "Belíssima" e "As Filhas da Mãe", ela tem um papel de destaque na novela de Daniel Ortiz. "Samantha é uma ordinária, uma típica vilã. Mas é incrível como o humor subverte a vilania", ressalta. 

Natural de Campinas (SP), Claudia começou sua carreira como bailarina. Determinada, seu sonho de infância era, simplesmente, ser a bailarina número 1 do mundo. "Gosto de pensar que só não consegui porque cresci muito", diz, bem-humorada. Aos 13 anos, foi morar em Nova York, nos Estados Unidos, após ganhar uma bolsa de estudos de dança. Depois, foi para a Argentina, onde ingressou no teatro de revista e começou a enveredar para o ramo das artes cênicas. "Morar fora tão cedo foi determinante para a minha carreira. Foi difícil, trabalhei como vedete e dançando samba em casa noturna, mas me deu certeza de que estava pronta para qualquer coisa", garante. 

Quando voltou ao Brasil, ingressou em um musical e, pouco tempo depois, estava na tevê, em "Roque Santeiro", de 1985. "Queria ter estudado mais. Não fiz nenhum curso, nem faculdade de Artes Cênicas. Foi a dança que eu estudei muito e, o resto, a vida me ensinou", resume. 

Como surgiu o convite para participar de "Alto Astral"? 

O Silvio de Abreu tinha me falado dessa novela há um ano e meio. Disse que tinha essa personagem, a Samantha Paranormal, que era a minha cara, que eu precisava fazer. Só que, na época, eu estava em cartaz com o musical "Crazy for You" e não poderia me comprometer com uma novela. E então a estreia da novela atrasou. Aí o Silvio e o Daniel Ortiz me procuraram de novo e insistiram muito para que eu fizesse. E, com muito prazer, aceitei. 

E a que você credita essa insistência? 

Eles acreditam que seria difícil achar outra atriz com esse perfil. Uma que seja forte, tenha um nome e ainda seja histriônica da maneira que sou. E também tem de fazer esse tipo de humor, com um tom mais acima, e ser essa figura bonita, elegante. Essas coisas que a personagem é. É um papel para ser feito sem vaidade nenhuma, é um despudor muito absoluto fazer a Samantha. Eles, de fato, precisavam de alguém com essa disponibilidade. 

Como assim? 

Ela é uma ordinária, né (risos)? Uma "171" da pior qualidade. Ela é insuportavelmente vaidosa, acredita que o mundo gira em torno dela. Quando recebi a sinopse, achei que as pessoas iam odiar a Samantha. Mas é incrível ver como o humor subverte a vilania. No grupo de discussão da novela, por exemplo, ninguém lembra das barbaridades, como sugerir matar a mãe para ficar com a herança, que ela faz. Só lembram das coisas engraçadas. 

Samantha está bem acima do tom dos outros personagens da novela. É mais difícil interpretar um tipo desse? 

Muito mais. Primeiro que, para achar o tom certo, é muito difícil. E, depois que acha, vem a dificuldade maior, que é mantê-lo. A temperatura dela é muito alta e o risco de desandar no meio do caminho é muito alto. Ela é uma palhaça o tempo inteiro, é difícil segurar essa peteca gravando, em média, 15 cenas por dia. 

No início da sua carreira na tevê, você era escalada sempre para personagens mais ligados à comédia. Quando acredita que começou a ser chamada para papéis menos óbvios? 

Acho que em "Engraçadinha". Foi um divisor de águas na minha carreira. Ali as pessoas começaram a me ver como atriz. Antes, eu era vista como comediante. O próprio Carlos Manga, que era diretor da série, disse isso. Foi a (diretora) Denise Saraceni que insistiu que eu fizesse o teste. E foi engraçado porque ali eu estava fazendo pela primeira vez uma personagem diferente de tudo que havia feito e mais velha. Hoje, tenho a idade da Engraçadinha. Na época, com 26 anos, eu interpretei uma mulher de quase 50. 

Neste ano, você completa 30 anos de carreira na tevê. O que é determinante na hora de decidir se dedicar ou não a uma personagem? 

Depois de tanto tempo, priorizo lugares em que posso me reinventar. Surpreender e me surpreender. Claro que existem personagens com temperaturas próximas. Até porque não existem 120 tipos de personagem (risos). É um número reduzido de estereótipos. E tem estereótipos que, embora tente fugir, acabo caindo. Até acho que consegui diversificar muito na minha carreira. E acho que só consegui seguir por esse caminho de diferentes personagens quando disse meu primeiro "não". 

E como foi isso? 

Foi na segunda prostituta que fui chamada para fazer depois de "Roque Santeiro". E eu disse que não. Minha mãe achou que eu tinha ficado louca, que nunca mais ia ser chamada para nada. Mas preferi arriscar. Porque senão, com o meu biotipo, ia ser chamada para fazer puta a vida inteira (risos). Acho que foi a grande decisão da minha carreira. Depois disso, fui chamada para fazer coisas que voltavam ao gênero da comédia, para mocinhas clássicas, mocinhas nada óbvias, como em "A Favorita", e até vilãs ardilosas, como no caso de "Salve Jorge". 

Depois de tantos tipos, ainda tem alguma personagem que você sonhe interpretar? 

Não fico criando expectativas. Porque senão acabo esperando um único personagem que pode não chegar nunca. Por isso, tenho o "escape" do teatro. Lá vou criando coisas e correndo atrás do que quero fazer. Na tevê, prefiro ser surpreendida por autores que escreveram pensando em mim ou por diretores que lembraram do meu trabalho. Mas, se a Globo fizesse um remake, eu gostaria muito de interpretar Tieta ou então a Porcina de "Roque Santeiro". 

Nos palcos
Claudia Raia tem uma forte presença no universo do teatro. Há trinta anos, ela é produtora das peças em que atua e também de outros espetáculos. Neste ano, se prepara lançar dois musicais: "Chaplin, The Musical", em maio, e "Raia, 30 anos", em junho. O primeiro, sucesso da Broadway e que recentemente teve os direitos comprados pela atriz, será protagonizado por Jarbas Homem de Mello, seu marido. Através dos filmes de Charles Chaplin, a vida do comediante inglês será lembrada e homenageada. "O espetáculo é todo em preto e branco. Apenas a última cena é colorida", antecipa. 

O segundo é uma espécie de homenagem a ela mesmo. Para celebrar os 30 anos de carreira na tevê, Claudia juntou os diretores Jorge Fernando e José Posse Neto – que trabalhou com ela no musical "Crazy For You" – e os autores Miguel Falabella e Silvio de Abreu. "São os quatro homens da minha vida", brinca. Juntos, eles vão destacar momentos importantes da carreira da atriz, tanto na tevê quanto nos palcos. "Vai ser uma releitura de momentos da minha vida. Mas não em ordem cronológica, que eu acho breguíssimo. E também vou falar do que está por vir, do que ainda sonho fazer", entrega.


Anna Bittencourt
Fonte: Folha Web