Estava escrito que o final da temporada teatral de 2009 reservava anda muitas atrações para o público de Porto Alegre. E com variedade de propostas, o que é muito bom. Para quem gostasse, um duplo Brecht. E para quem quisesse algo diferente, este musical inovador e moderno, Pernas pro ar, que nos trouxe a atriz Cláudia Raia em grande forma, no Teatro Bourbon. A partir de um argumento de Luis Fernando Verissimo, texto final de Marcelo Saback e direção de Cacá Carvalho, com coreografias de Alonso Barros e direção musical de Paulo Nogueira, Pernas pro ar é um espetáculo que, de um lado, mantém a tradição dos grandes musicais e, de outro, inova o gênero profundamente. O enredo é simples. Hellô é uma dona de casa descontente com seu cotidiano, situação de que ela mesma é inconsciente até que, num pesadelo noturno, surge-lhe o diabo para conscientizá-la. Ela deve mudar de vida, e serão suas pernas a conduzi-la para outras experiências de vida. A partir de então, instaura-se situação inusitada, ora engraçada, ora dramática. O enredo explora o cotidiano, mas também ousa avançar sobre temas pouco explorados em cena, especialmente aquela passagem hilária em que três diferentes Nossas Senhoras surgem em cena, dando força para a personagem. Aliás, é um dos grandes momentos do espetáculo. Trata-se de uma produção comercial, é claro, que movimentou muita gente, desde os autores de versões de composições de musicais norte-americanos para o português, ensaiadores, técnicos variados e elenco. Mas é, sobretudo, uma produção profundamente profissional, que respeita o público e que se dispôs a investir o que fosse necessário para inovar e surpreender. Daí que, à parte o enredo, o elenco e em especial a figura de Cláudia Raia, toda a experiência técnica da projeção de imagens em três dimensões, nas paredes que cercam o cenário, surpreendem constantemente e promovem um espetáculo muito específico. De Paulo César Medeiros, que foi o desenhista de luz, aos cenógrafos Marcelo Larrea e Chris Aizner, passando pela direção de arte de Marcelo Larrea e Márcio Medina, mais o visagismo de Henrique Mello e Robin Garcia, toda a equipe da Coddart Digital Design e operações de vídeo da On Projeções, é provável que neste setor tenha tanta gente, e tão importante para o resultado final do espetáculo quanto todo o elenco e a direção específica do espetáculo. Formando duas equipes com um único objetivo, o resultado que aparece pode parecer simples e fácil, mas resulta de uma simbiose perfeita, difícil de se atingir e que, por isso mesmo, merece os maiores elogios e respeito de todos. Cláudia Raia é uma atriz de enorme potencialidade, na voz, na gesticulação, na presença cênica facilitada pelo seu físico. Mas se ela ficasse sozinha em cena, seria um desastre. Daí a qualidade do elenco. Todos os seus integrantes formam um conjunto equilibrado, perfeito, sempre pronto em cada entrada. Não dá para destacar ninguém. Cantam e dançam, o que é sempre difícil. Para mim, chamou-me especial atenção Marcos Tumura, não por ser melhor que os demais, porque seria injustiça até mesmo com ele dizer isso, mas porque, em alguns momentos, lembrava muito o ator Robert Deniro. Mas Ruben Gabira, por exemplo, que tem presença constante em cena, tem voz extraordinária e uma interpretação muito forte, que marca a cena. Com isso, o que resulta é um espetáculo equilibrado, de boa finalização, com surpresas cênicas constantes, como o aparecimento da orquestra na parte posterior da cena. O que fica claro é que a equipe buscou acessar ou desenvolver tecnologias variadas não por elas mesmas, mas para que elas facilitassem e otimizassem o espetáculo, o que foi plenamente alcançado. Temos uma simbiose perfeita entre indústria e artesanato, ficando este por conta dos intérpretes, ao que se soma o engenho e a arte da criatividade e da inventividade, num resultado surpreendente porque, é evidente, não se esperaria um espetáculo mesquinho da grande atriz, mas aquilo a que se assiste supera em muito o que se poderia esperar, evidenciando que houve enorme respeito pelo público e vontade de, realmente, trazer para a realidade brasileira um trabalho inovador, capaz de mostrar tudo o que já se pode realizar no País em termos de artes cênicas. Divertido, inteligente, variado, dinâmico, Pernas pro ar é um desses trabalhos que agrada e preenche uma noite de quem se dispõe ir ao teatro.