Daniel Schenker, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - Claudia Raia estreia um musical. Falando assim, parece repetição. Afinal, não é de hoje que a atriz vem destinando os maiores esforços ao gênero. Mas há, de fato, novidades em Pernas pro ar, espetáculo que aterrissa no Armazém 2 do Píer Mauá nesta terça-feira para curtíssima temporada. A primeira delas está no convite feito a Cacá Carvalho, ator notabilizado nas emblemáticas versões de Antunes Filho para Macunaíma, de Mario de Andrade, e de Roberto Lage para Meu tio, o Iauaretê, de Guimarães Rosa, que, até então, não tinha o menor vínculo com o mundo do musical. A segunda reside na preocupação da atriz em se cercar de uma dramaturgia, que encontrou em argumento de Luís Fernando Veríssimo, devidamente desenvolvido por Marcelo Saback. E a terceira diz respeito ao desejo de apresentar o trabalho em espaços não convencionais.
– Diante da proposta de ficar poucos dias em cada cidade, quase enlouqueci a equipe – brinca Claudia, que literalmente sonhou com uma caixa cênica que pudesse “comportar” uma cenografia virtual.
A história de Helô, dona de casa entediada que passa a viver experiências transgressoras, chega emoldurada por projeções volumétricas que criam imagens digitais, dando ao espectador a impressão de que a atriz está dentro de um cenário real. As possibilidades de utilização de softwares, sensores, câmeras e projetores representam uma vitória para Claudia Raia.
– Eu sempre quis fazer os musicais americanos. Mas o Brasil não contava com o know-how necessário. Então, comecei a me aproximar deste objetivo através do modelo do teatro de revista. Até porque eu tenho características físicas que remetem à vedete – admite Claudia, referindo-se à trilogia formada por Caia na Raia, Nas Raias da loucura e Não fuja da Raia, que realizou em parceria com Jorge Fernando e Silvio de Abreu.
Através da gramática do teatro de revista, Claudia foi estreitando a distância entre o Brasil e a Broadway.
– Comecei a trazer microfones e toda uma engenharia cenográfica. No entanto, era difícil. Não havia elenco capacitado. Eu mesma era bailarina, mas crua no resto – confessa.
No início da carreira, Claudia participou de Chorus line. Cacá Carvalho assistiu ao espetáculo e ficou impressionado com o resultado. Conheceu-a melhor por intermédio do marido Edson Celulari, de quem é amigo desde os tempos de Macunaíma e com quem contracenou nas montagens de Don Juan, de Molière, e Fim de jogo, de Samuel Beckett. Anos depois, Cacá e Claudia trabalharam juntos em duas novelas – Torre de Babel e Belíssima, ambas de Silvio de Abreu. E a atriz convidou-o para fazer a preparação dela para Donatela, uma das protagonistas de A favorita, de João Emanuel Carneiro.
– Nesse meio tempo fui mostrar A poltrona escura na Itália – diz Cacá Carvalho, referindo-se à encenação de Roberto Bacci para o texto de Luigi Pirandello. – Disse que precisaria me ausentar por pouco mais de um mês. Ela foi atrás de mim para trabalharmos.
Por obra e graça do destino, ele acabou assumindo a direção de Pernas pro ar.
– Um dia, ele ligou para mim chorosa porque Wolf Maya não ia poder dirigir o espetáculo – conta Carvalho.
Claudia pediu indicações a ele e, no final da conversa, chamou-o para assumir o posto.
– Eu disse que estava envolvido com Um hóspede secreto, meu novo espetáculo. Mas fiquei atraído. Vi que poderia aprender muito, o que realmente aconteceu. Entendi como expressar ação em música e movimento. A equipe foi minha bússola – elogia Cacá Carvalho, que trabalhou ao lado de Alonso Barros, antigo parceiro profissional de Cláudia Raia em Chorus line e Sweet Charity.
Wolf Maya já havia dirigido Claudia em encenações como a divertidíssima Splish splash, na qual Flavio Marinho recriou a atmosfera do Colégio Andrews nos anos 50, e a igualmente competente A pequena loja dos horrores.
– Eu produzi A pequena loja dos horrores. Lembro que trouxe a planta cenográfica num avião da Varig e também o técnico para operá-la. O espetáculo não fez o sucesso esperado. Tive prejuízo – confessa Claudia. – Quando entrei como atriz, passamos a contar com um pouco mais de público, mas não melhorou substancialmente.
Foram, porém, experiências que fortaleceram seu contato com Maya, que a dirigiu ainda em O beijo da mulher aranha.
– Se estivesse aqui, Claudia entraria em cartaz na Broadway – comenta Wolf Maya, de Nova York. – Pensamos em Pernas pro ar há algum tempo e não pude permanecer no projeto porque Cinquentinha entrou em produção simultaneamente.
Claudia Raia passou por outras duas experiências importantes que a aproximaram da Broadway: a já citada encenação de O beijo da mulher aranha, versão de Terrence McNally para o romance de Manuel Puig, e Sweet Charity, de Bob Fosse.
– Vi O beijo..., com Chita Rivera. Pensei: “esse papel é para mim”. Encontrei o Miguel Falabella e começamos a estudar formas de trazer para o Brasil. Tempos depois me chamaram para fazer o espetáculo e eu impus uma condição: “Só se for com o Miguel” – evoca a atriz.
Sweet Charity foi um projeto acalentado por muito tempo:
– Há 20 anos busquei os direitos do texto. Mas estavam presos com a Márcia Albuquerque. No final das contas, foi ótimo não ter feito na época. Até que, numa conversa com Charles Möeller e Cláudio Botelho, o projeto voltou à tona. Tenho muito orgulho deste trabalho.
Tendo também participado de montagens como a coletânea 5 x comédia e Batalha de arroz num ringue para dois, besteirol de Mauro Rasi, Claudia Raia pretende fazer muito “teatro falado”.
– Quero montar autores como Shakespeare e Nelson Rodrigues. Mas ainda tenho vontade de dançar. Sei que daqui a pouco não poderei mais realizar tudo o que faço hoje.
Fonte: Jornal do Brasil Online