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11 de novembro de 2012

Claudia Raia - Revista Rolling Stone (novembro/2012)


Entusiasmado significa cheio de deus. não é pouca coisa para alguém dizer sobre si mesmo. Mas é o que Claudia Raia diz. “Há poucos dias, fiquei sabendo que entusiasmo, em latim, é estar repleta de Deus. Então eu descobri por que eu sou tão entusiasmada, né? É o que eu sou.” A precisão da fala da atriz vai além da lisonjeira autoanálise que ela propõe. A definição é exata porque, apesar de Claudia igualar entusiasmo e alegria (“nasci com o chip da alegria” é um bordão que repete sempre), o termo significa mais do que isso. Mais do que inspiração divina ou alegria intensa, ele designa “ardor na realização” e “dedicação fervorosa”, diz o Houaiss. O estado humano de comunhão com o divino é subjetivo; a dedicação fervorosa de Claudia Raia em relação a tudo que ela faz é fato. Mirou em Deus e acertou no homem.



A definição também é precisa, em segundo lugar, porque entrega uma característica da atriz que é tão forte quanto sua animada determinação – ao fazer o que quer e dizer o que pensa, e ela quer e pensa muitas coisas, Claudia se expõe. Generosa e honestamente. Isso acontece quando ela, para realizar o sonho de viver um personagem, se dispõe ao risco de interpretar canções icônicas ao vivo; ou quando essa mesma personagem pede que ela, aos 45 anos, passe duas horas e meia dançando de calcinha em um palco. Essa exposição aconteceu ainda quando ela era bailarina e virou atriz aos 16, sem saber bem o que estava acontecendo, só porque queria muito estrelar A Chorus Line. Acontece também quando Claudia, já famosa, se esgueira pela Globo quase de madrugada para fazer clandestinamente um teste negado a ela, e que provará que é atriz e não “só” comediante. Algumas vezes, essa exposição vem na forma do reconhecimento do próprio valor; ou, trocando em miúdos, do autoelogio.



Nessas horas, e são muitas, Claudia diz coisas como essas, como a admissão de que se considera uma pessoa tomada pela inspiração divina. Os adeptos da modéstia a qualquer preço podem estranhar. Podem se perguntar que tipo de gente afirma essas coisas. Gente como Claudia Raia. Entusiasmada.“Normalmente não é essa moleza”, diz a atriz em sua primeira conversa com a Rolling Stone. O encontro foi no fim da tarde de uma terça-feira de 37o C, na casa noturna do Rio de Janeiro que servia como locação para a gravação de Salve Jorge, novela das 21h da TV Globo em que vive a vilã Lívia. O expediente tinha começado dez horas antes e a 35 quilômetros de distância. Das 7h às 11h, ela fez uma série de cenas de estúdio no Projac, zona oeste do Rio. De lá, seguiu para o bairro da Saúde, onde a gravação foi aberta à imprensa. Era o capítulo da festa de “descasamento” da personagem de Cleo Pires, um evento que reunia boa parte do elenco, quase sem falas, apropriado ao ambiente que contava com a invasão convidada de dezenas de figurantes e jornalistas.

Talvez a única coisa mais chata do que assistir a uma balada de novela seja gravar uma balada de novela. Foram quase seis horas de cenas picotadas, interrompidas a todo o momento, pequenos takes para garantir imagens de muitas situações dos personagens. Todo mundo espera, nada engrena, e ainda há um DJ tocando Maroon 5 nas cenas de pista. Durante os minutos de intervalo entre takes, o trabalho continua. As paradas serviram para Claudia Raia espremer sessões de fotos de um ou dois minutos, antes de o diretor chamar de volta, ela mudar de cara, trocar a risada por um meio sorriso, erguer o queixo e virar Lívia automaticamente. A atriz usou as pausas ainda para encaixar uma entrevista coletiva dividida em três partes de 15 minutos. As perguntas a que respondia no intervalo da gravação, quase em sua totalidade, já tinham sido publicadas nos dias anteriores pelos mesmos veículos que as repetiam agora. Mas ela responde com animação a todas as questões. Corrige informações. Fala muito. Os jornalistas comentam que ela “rende”. Alguém pergunta o que a irrita. Ela diz que é burrice e incompetência. Todos riem. Risos.
Às 17h, ao enfim conversar apenas com a RS, ela já estava vestida de Claudia Raia: igualmente impecável, mas muito mais vibrante. Macacão de linho azul-royal aberto nas costas, rasteirinha dourada, ainda com os cílios postiços de Lívia, discutindo questões de patrocinador e passagens de avião em seu iPhone de capa rosa-choque. Enquanto a equipe desmonta o cenário, uma dúzia de trabalhadores gritando e promovendo o estrondo plástico do processo de embalagem, nos sentamos de pernas cruzadas, uma de frente para a outra em um dos sofás que vai continuar onde está. A concentração dela agora é toda dedicada à entrevista.


Claudia achou tranquilo porque, apesar de as dez horas de gravação serem a média, em um dia normal ela faz entre 25 e 30 cenas nesse período. “São cenas de muito texto, sempre. Uma quantidade de cenas enorme. Pauleira mesmo, entra, grava, sai, troca a roupa, entra, grava, sai…”, explica. Isso acontece de segunda a quarta, quando os dias são completados com o processo de decorar as falas da novela, aulas de balé e a infalível malhação, que faz em casa, seja a hora que for – de madrugada antes do trabalho, de madrugada depois do trabalho. “Pelo amor de Deus, se eu não malhar eu não faço o que eu tenho que fazer lá!” O “lá” se refere à segunda parte de sua rotina semanal, que começa na quinta cedo, quando ela voa para São Paulo. Mais balé, malhação, aula de canto e a apresentação todas as noites, de quinta a domingo, – duas sessões aos sábados – de Cabaret, musical de duas horas e meia que ela protagoniza há um ano. As crianças também vão para São Paulo nos finais de semana. E o namorado, o ator Jarbas Homem de Mello, divide o palco com ela. “Tudo num pacote. Facilita horrores”, ela brinca. Como o espetáculo acaba muito tarde, Claudia só consegue voltar para o Rio na primeira ponte aérea de segunda-feira. E recomeça o processo. “Preguiça é uma palavra que não existe na minha vida”, declara. “Mas claro que tem horas em que eu falo: ‘Ai, gente, por que eu tenho que fazer tudo? O tempo todo?” Para essas horas, ela gostaria de ganhar de um gênio dois desejos: uma cápsula que a transportasse para qualquer lugar em 4 ou 5 segundos; e que o dia tivesse 29 horas. Mas não gostaria de ser duas pessoas. “Que me transformasse em duas eu não ia gostar, porque eu sou muito centralizadora.” O desejo de Claudia, em suma, é poder fazer mais tudo o tempo todo.

Fonte: Blog Atriz Claudia Raia