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11 de junho de 2012

Entrevista da UOL


Após o sucesso de sua Jaqueline em “Ti Ti Ti”, Cláudia Raia estava escalada para voltar às novelas no remake de “Guerra dos Sexos”, de Silvio de Abreu. Por conta de “Cabaret”, contudo, a atriz recusou o convite do autor para se dedicar exclusivamente ao musical, que ela sempre sonhou em montar. Mas quando pensou que estivesse dedicada apenas ao espetáculo, Cláudia recebeu um telefonema da escritora Glória Perez, convidando-a para ser a vilã Lívia de “Salve Jorge”, trama que substituirá “Avenida Brasil” na Globo.

Cláudia contou que ficou mexida com a proposta e logo consultou os filhos Enzo, de 14 anos, e Sofia, de oito. “Cheguei para os meus filhos e falei: olha, gente, temos um impasse. Me convidaram para fazer um papel, se vocês disserem que é muito duro ficar sem a mamãe porque vou estar fazendo ‘Cabaret’ em São Paulo e a novela aqui eu digo não. Não é o único papel da minha vida. Mas eles disseram: ‘não, mãe. Você tem que fazer. Esse papel é incrível’. Então com o aval dos pequenos eu disse sim”, contou.
“Quando a Glória [Perez], que é esse furacão, me ligou, eu estava em Angra [dos Reis] com os meus filhos, tranquilinha, nos três dias que eu tive de férias... Aí ela me ligou e falou: ‘olha, você é a minha protagonista, eu só faço com você, o papel é seu. Não tem outra pessoa para fazer’. Aí eu falei: ‘eu tenho o ‘Cabaret’’. E ela falou: ‘eu faço com você fazendo ‘Cabaret’. Nem que eu escreva a novela em dois cenários e uma externa. Mas é com você que eu vou fazer”, lembrou a atriz.

Depois de aceitar o papel da vilã, que é a cabeça do tráfico internacional de pessoas, Cláudia começou a participar dos workshops preparatórios para a novela. E ficou chocada com as barbaridades cometidas pelos traficantes. “A gente ouviu tantas coisas no workshop... Eu chorei o dia inteiro. Chegou uma hora que a Glória [Perez] me cutucou e falou: ‘Cláudia, para de chorar porque é você que vai fazer tudo isso (risos). Deu vontade de pegar a bolsa e sair correndo (risos). Porque é uma coisa muito louca”, explicou. Leia a seguir a entrevista completa com a atriz:

UOL – Como será a Lívia? O que você já pode adiantar a respeito da personagem?

Cláudia Raia – A Lívia é a cabeça do tráfico. Ela é inatingível, é uma mulher riquíssima. Vimos nos workshops que um traficante como ela ganha U$ 31 bilhões por ano. Então é muito complicado descobrir esses traficantes porque é conchavo com o governo, é conchavo com a polícia federal, é conchavo com tudo. São, na verdade, máfias muito bem estruturadas, nas quais essa mulher, na história da Glória [Perez], é a cabeça. Ela tem vários estabelecimentos no mundo inteiro: Madri, França, Turquia... São vários países onde ela tem essas boates, onde ela escraviza as mulheres. É escravatura mesmo. A gente ouviu tantas coisas no workshop... Eu chorei o dia inteiro. Chegou uma hora que a Glória [Perez] me cutucou e falou: ‘Cláudia, para de chorar porque é você que vai fazer tudo isso (risos). Deu vontade de pegar a bolsa e sair correndo (risos). Porque é uma coisa muito louca.
Como será feita a abordagem a essas meninas?
A abordagem será feita pela Wanda, que é a personagem interpretada pela Totia Meireles. A Wanda é praticamente escrava da Lívia. É uma figura popular, que chega nas pessoas mais populares. Ela começa a dizer às meninas sobre uma possibilidade de trabalhar no exterior, de ganhar U$ 1.500 por semana para ser garçonete ou para ser atendente, enfim... E as pessoas que ganham menos de um salário mínimo e moram em uma favela, com condições precaríssimas, com bala perdida de tudo quanto é lado, vão correndo.

E depois que as meninas aceitam a proposta?

Aí ela fala: ‘olha, seu cabelo é crespo, eu vou te pagar um alisamento. Vamos comprar umas roupinhas’. Mas as várias roupinhas e o alisamento, tudo isso será descontado da pessoa quando ela chegar ao país. Portanto, quando a menina chega em Madri, na Turquia ou na França, ela já vai devendo. Eles seguram o passaporte e quando ela chega ao país já é escravizada. Elas não têm mais o passaporte, não têm mais nada. Carrascos pegam essas mulheres, que moram em lugares precaríssimos, uma em cima da outra, em beliches que têm espaço de um metro entre um e outro. É uma coisa inacreditável. Com o esgoto aparente e em condições precárias. Esses homens batem nelas porque elas têm que dar conta de 20 homens por dia. Se elas não derem conta desses 20 homens por dia elas são descontadas. Sendo que assim que elas chegam, elas já chegam pagando a passagem, a alimentação, o lugar onde elas moram. Acabam ganhando 200 dólares por mês, sem o menor acesso a nada: a um telefone, a uma possibilidade de fuga, nada, nada, nada.

Quanto elas ganham então?
Duzentos dólares é o que acaba sobrando, se sobrar. Porque se você ficar doente e não der conta dos 20 homens também será descontada. É escravidão mesmo. E a Lívia, minha personagem, é a responsável por tudo.


Mas ninguém desconfia dela...
Não! Ela é uma mulher da alta sociedade carioca. É uma mulher riquíssima, toda trabalhada na cidade de Paris. Da cabeça aos pés (risos). Dizem que ela foi casada com um duque italiano. Porque ela é chiquérrima, linda, usa roupas de grife e é toda trabalhada nos tons pasteis. A princípio, ela organiza eventos de moda, filantrópicos. Ela, na verdade, agencia algumas grandes modelos, capas de Vogue. Tudo mentira. É a fachada dela. Ninguém dá absolutamente nada por ela. Todos a veem como uma mulher chiquérrima, bem-sucedida e rica. Não há nenhuma suspeita.

E qual é o passado dela?
O passado a gente chegou a falar, eu e a Glória [Perez], bastante. Mas a gente não quer deixar isso de que ela foi escorraçada pela vida. Provavelmente, ela deve ter tido uma família não muito legal. Mas ela é cruel. Ela pode até fazer uma boa ação para você, mas com o intuito de você servir a ela. Ela pode até ter um cachorrinho. Mas é porque ela quer que o cachorrinho seja louco por ela. Ela precisa daquele afeto. Não é porque ela é incrível. Ela pode até fazer uma boa ação, mas é sempre a favor dela.

E os homens?
Os homens passam pela vida dela, ficam três, quatro dias e ela se isola. Porque ela não pode ter nenhum tipo de vínculo.

Ela é uma prisioneira, então?
Claro. Mas uma prisioneira com U$ 31 bilhões na conta (risos).

Mas ela vai ter algum envolvimento amoroso?
Ela vai se apaixonar pelo inimigo. Porque na verdade o Theo, papel vivido pelo Rodrigo Lombardi, faz o namorado da mocinha, que é a Morena [Nanda Costa]. Só que – como a Morena é traficada pela Lívia – o Theo começa a perceber que tem alguma coisa estranha. E começa a rastrear essa coisa de tráfico humano na internet. Quando a Lívia percebe que ele tem a possibilidade de estar rastreando ela, ela vem atrás dele para poder apartar o inimigo, mas se apaixona por ele. E isso é uma maravilha porque na verdade a fragilidade de todo ser humano, por pior que ele seja, por mais frio que ele seja, é pega na curva pelo destino.

Você acha que ela pode mudar por conta dessa paixão?Não acredito que uma pessoa dessas mude. Sinceramente não acredito. E não é pessimismo da minha parte. Ela é uma mulher que já nasceu cruel. Sabe criança ruim?

Você já contou para os seus filhos sobre a personagem?
Já. Na verdade, eu pedi permissão a eles antes. Porque eu na verdade não podia fazer essa novela. O Silvio de Abreu me liberou de “Guerra dos Sexos” porque eu tinha o “Cabaret”. O “Cabaret” é um enorme sucesso, graças a Deus. Então eu tive que abrir mão um pouco de tudo. Tinha uma organização da minha vida, que eu estava há três anos escalada para a novela do Silvio. E o Silvio, por ser meu pai, meu tudo, disse: ‘você não pode abrir mão desse sucesso. Eu vou abrir mão de você em ‘Guerra dos Sexos’ aos prantos, eu estou sem um braço sem você, mas você está esperando esse sucesso de ‘Cabaret’ há 20 anos’.
Como foi, então, quando a Glória Perez te convidou?
Quando a Glória [Perez], que é esse furacão, me ligou, eu estava em Angra [dos Reis] com os meus filhos, tranquilinha, nos três dias que eu tive de férias... Aí ela me ligou e falou: ‘olha, você é a minha protagonista, eu só faço com você, o papel é seu. Não tem outra pessoa para fazer’. Aí eu falei: ‘eu tenho o ‘Cabaret’’. E ela falou: ‘eu faço com você fazendo ‘Cabaret’. Nem que eu escreva a novela em dois cenários e uma externa. Mas é com você que eu vou fazer. A TV Globo, na verdade, está abrindo uma exceção que quase não abre, que é uma protagonista das oito fazendo teatro em São Paulo. Mas não foi uma exceção porque sou eu. Eu não tinha como deixar de fazer “Cabaret”.

Mas como vai ficar a apresentação de “Cabaret” durante a novela?
Eu saio de cartaz esta semana no Rio, aí vou fazer Curitiba, Porto Alegre, viajo uma semana com os meus filhos no final de junho – que são os únicos oito dias que eu tenho no ano para eles – e faço as três primeiras semanas de julho no Rio novamente. Por causa do enorme sucesso, conseguimos retomar mais três semanas no Rio. Aí volto para São Paulo.

O que o Silvio de Abreu disse quando você contou que ia fazer a novela da Glória Perez?
Ele adorou. Ele é meu pai! Quando liguei para ele para contar, ele falou: ‘você vai fazer, né? Porque senão eu dou tanto em você! (risos)’. ‘Mas será que eu dou conta?’, perguntei. E ele falou: ‘é claro!’.


Como vai ser o visual da personagem? Ela vai ser loira?
Não. Ela não pode ter nada que chame atenção. Ela é uma mulher bege (risos). Totalmente diferente de mim. É uma mulher minimalista, nos tons claros, de branco, bege e cinza, com o cabelo castanho. Ela passa quase que desapercebida. É sempre uma mulher muito bonita, muito vistosa, muito charmosa, muito tudo, mas ‘low profile’.

Além da Totia Meireles, quem sabe desse grande segredo da Lívia?
As pessoas que trabalham para ela. O Russo, que é o grande capanga dela, ainda não sei quem é o ator. A Irina, que é a nossa Vera Fischer, linda de viver, que é uma russa, uma mulher que dá uma coordenada em algumas das casas dela. Ela tem um grupo de pessoas pequeno, porque é tudo muito discreto. Quanto menos gente souber, melhor. E é inatingível. Por exemplo, a Wanda nunca é vista com ela. Elas se encontram em quartos de hotel. Ela não se envolve com essa gente.

Como você acha que o público vai encarar a sua personagem?
Eu acho que eu não devo sair na rua nos próximos oito meses (risos). Eu espero que eles me odeiem porque, na verdade, é um peso fazer esse papel. É um peso pela realidade, porque a gente está falando de uma coisa que existe. É horroroso, é o pior do ser humano, sem dúvida nenhuma. Mas eu como intérprete tenho a obrigação de fazer o meu melhor para que seja uma bandeira de alerta mesmo. Quanto melhor eu fizer, quanto mais verossímil eu fizer, mais as pessoas vão estar alertas, essas meninas vão pensar: ‘garçonete, mas como assim? Onde, por quê, para onde eu vou?’. Porque a Lívia vai na casa das meninas, mostra as fotos de onde elas vão trabalhar paras as mães, o hotel. Ela acaba tendo um relacionamento com a família. Por isso que ela chega no Théo [Rodrigo Lombardi]. Ela transita pela casa das traficadas para acalmar as famílias, para não ter nenhum tipo de dúvida. Ela faz as meninas ligarem para dizer que está tudo bem, que elas chegaram bem. Tudo é controlado. E as meninas não têm acesso a nada: ao telefone, ao passaporte...
Mas não é um risco que ela corre?
É. Mas eu perguntei para a polícia federal: ‘e a traficante?’ Ninguém me falava nada. É tudo muito bem feito. Porque tem escritórios de advocacia que servem aos traficantes, que eles pagam só U$500 mil por mês para ficarem completamente cobertos de qualquer coisa errada. Então é tudo muito bem armado. É quase inatingível chegar numa mulher dessas. E quase ninguém me respondia se já esteve de cara com uma traficante dessas, com a cabeça do tráfico.

Você disse que chorou muito. O que mais mexeu com você?
Na verdade, eu fiquei passada. Fiquei muito mexida com os depoimentos das mães das vítimas. Teve o depoimento da mãe de uma menina que foi morta. Aquilo acabou comigo. Porque começou a dar problema, eles matam. Aí eu perguntei para a Glória [Perez]: ‘a Lívia mata?’ Ela respondeu: ‘não, ela tem quem mate. Mas se não tiver ela vai lá e mata’. É sério o negócio. Claro que é tudo de mentirinha. Eu não vivo isso, graças a Deus (risos).

Você se inspirou em alguém da alta sociedade para compor essa mulher?Não. Eu estou olhando um pouquinho para o comportamento da francesa, da cabeça da revista Vogue francesa, a Anna Wintour. Mas também tem um pouco de “Revenge”, que é aquela série que tem a vilã Victoria Grayson. Tem um pouco de cada coisa e, óbvio, que como não tem nenhuma traficante que eu possa olhar, eu vou criar eu mesma junto com a Glória e o Marquinhos [Marcos Schechtman, diretor da novela]. A gente está criando uma mulher objetiva, ela é “business woman”.