menu

23 de outubro de 2011

Claudia Raia estrela o décimo musical de sua carreira

Com o atrevimento de seus 8 anos, a caçula Sophia já deu o ultimato à mãe, a atriz Claudia Raia, de 44. “Agora chega! Depois da estreia, não quero mais saber dessa história de você só passar um dia da semana no Rio de Janeiro”, reclamou a menina. O filho mais velho, Enzo, de 14, parece acostumado à ausência de Claudia devido aos compromissos teatrais. Nos intervalos da escola, o garoto mergulha na música, tocando bateria, piano e violão, e só se manifesta quando quer saber detalhes da banda de catorze instrumentistas que participa da nova montagem. “O Enzo é bem mais low profile, talvez tenha puxado ao pai”, diz ela, referindo-se ao ator Edson Celulari, de quem está separada há um ano.

Nos últimos três meses, Claudia Raia praticamente trocou a residência carioca pelo apartamento que mantém em São Paulo, no bairro do Itaim. Passa pelo menos dez horas do dia trancada no Teatro Procópio Ferreira, no Jardim Paulista. É ali que se prepara para viver o grande desafio de sua carreira. Na sexta (28), a maior estrela dos musicais brasileiros estreia o espetáculo Cabaret, lançado na Broadway em 1966 e consagrado também no cinema pelo diretor Bob Fosse seis anos depois, tendo a atriz e cantora Liza Minnelli no papel principal. Solteira, Claudia fez mais uma vez do trabalho a palavra de ordem, e foi por isso que firmou seu nome, mostrando que poderia ir além do estereótipo da boazuda de 1,80 metro surgido nos anos 80, nos esquetes do programa "Viva o Gordo", de Jô Soares. Além de protagonista, ela é a produtora responsável pela equipe de oitenta profissionais, entre artistas e técnicos, e acompanha cada passo da montagem, da confecção dos figurinos à finalização de cartazes e programas. “A Claudia vira dezessete horas trabalhando e não se cansa. É uma empreendedora, controla cada detalhe do que vai acontecer”, afirma o ator Jarbas Homem de Mello, um dos vinte artistas com quem ela divide o palco.

Essa entrega ficará evidente aos olhos do público quando ela surgir em cena na pele da prostituta Sally Bowles. Em nada vai lembrar as divertidas personagens celebradas na TV, como a recente Jaqueline da novela "Ti-ti-ti" (2009). Estará mais associada à densa Donatela, de "A Favorita" (2008), e à personagem-título da minissérie "Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados" (1995), embora Claudia saliente que a barra desta vez é bem mais pesada. “Sally é uma prostituta alcoólatra, extremamente depressiva e sem glamour algum”, afirma. “Eu me mostro sem pudores e termino a peça completamente destruída.”

A pequena e curiosa Sophia, de passagem por São Paulo, andou espiando os ensaios de Cabaret e até pediu para subir no palco em alguma das sessões. A mãe vetou e só deixa que a menina assista às cenas mais leves. “Sophia sabe diferenciar a atriz, mas não permito que me veja interpretando uma bêbada ou em cenas de sexo porque isso pode ficar no inconsciente da criança”, diz. A garota, que fez pontas nas novelas "Passione" e "Ti-ti-ti", parece decidida a trilhar a mesma estrada. “Se for para a felicidade dela, que seja, não é?”, diz Claudia, cautelosa, mas convicta de que, como ela, que aos 16 anos enfiou na cabeça que seria protagonista do musical "A Chorus Line" e conseguiu, Sophia já demonstra persistência de sobra para correr atrás do sonho.

'CABARET' EM NÚMEROS

R$ 1,8 milhão é o orçamento estimado da produção

80 profissionais estão envolvidos (21 atores e catorze músicos)

150 figurinos foram confeccionados (dez deles para Claudia)

40 perucas entram em cena

7 toneladas é o peso do cenário

20.000 pedras de cristal Swarovski foram bordadas em um dos vestidos usados pela protagonista

 
Três décadas dedicadas a um sonho

Claudia relembra a evolução de sua trajetória

“Quando soube que 'A Chorus Line' seria feito no Brasil, em 1983, já tinha visto a montagem da Broadway sete vezes. Minha inscrição para o teste era a de número 001 e passei a noite na fila de espera, na Praça Ramos de Azevedo, entre 1.500 candidatas.”

“Tinha 16 anos e abracei aquela personagem de 35 com muita garra. Um dia, torci o pé e subi ao palco com uma bota de gesso e muito analgésico para controlar a dor.”

“A gente fazia os musicais que eram possíveis, mesmo de forma precária. Em 'Splish Splash' (1988), os microfones eram direcionais, daqueles instalados no teto do teatro, e empurrávamos o cenário com um fio de náilon, porque o maquinário da época era tão barulhento que comprometia o espetáculo.”
“Em 1989, só produzi 'A Pequena Loja dos Horrores', porque não tinha papel para mim. A personagem feminina precisava ser feita por uma atriz e cantora com voz de soprano, e chamamos a Stella Miranda. Era muito divertido, mas o público não ia ao teatro. Na segunda temporada, a Stella precisou se afastar e eu entrei em seu lugar. Não adiantou nada. Fracassou.”

“Com 'Não Fuja da Raia', em 1991, percebi que o negócio era investir no teatro de revista, que é um gênero que faz parte do nosso DNA. Passei a incorporar a vedete e inseri uma ou outra referência das produções americanas. Depois vieram 'Nas Raias da Loucura' e 'Caia na Raia'. Foram sete anos de batalha para que o público e também os artistas brasileiros se convencessem de que aquilo era possível.”

“Todo mundo falava que eu investia em um barco furado. Cheguei a vender carro e quase perdi um apartamento para quitar as dívidas que fazia para bancar o meu sonho.”
“Em 1989, eu e o Miguel Falabella vimos juntos em Nova York uma montagem de 'O Beijo da Mulher Aranha'. Ele me disse: ‘Bebê, imagina se a gente pudesse fazer isso um dia no Brasil’. Era impensável. Dez anos depois, estávamos ensaiando aqui em São Paulo.”

“Na estreia de 'Sweet Charity' (2006), o elevador cenográfico quebrou. Desceu abaixo do nível do chão e não subiu mais, deixando um buraco no meio do palco. Os diretores pensaram em cancelar a sessão. Disse que isso não aconteceria de jeito nenhum. Nem que fosse necessário que eu terminasse a peça no meio da rua.”
“Com 'Pernas pro Ar', em 2009, quis montar um musical itinerante para percorrer dezessete capitais. A equipe tinha quarenta pessoas, e eram 50 toneladas de equipamentos. Fazíamos as apresentações em praças e galpões sem a menor estrutura técnica. Eu dava palestras e conheci pessoas que nunca tinham visto um espetáculo na vida. Foi uma imensa dificuldade que valeu a pena. Mas hoje não faria de novo. De jeito nenhum. Esse projeto só daria certo na Europa.”

Fonte: Veja SP